quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Direitos da Criança: breves considerações sócio-históricas (1)

Os movimentos contemporâneos dos direitos da criança são o produto de modelos de infância que proliferaram através das ciências sociais, as quais, por sua vez, são o produto das visões pós-iluministas de personalidade e sociedade (Heinze, 2000).
A ideia de direitos das crianças apresenta-se com particular ênfase na nossa sociedade, porque fomos nós que inventámos o estatuto da infância como um momento de dependência e de necessidade de protecção e colocamos as crianças dentro “das instituições totais da casa e da escola” Nelken (1998).
O percurso dos direitos da criança é heterogéneo e complexo. Nas sociedades ocidentais, as crianças nos séculos VI, VII, eram frequentemente vítima de práticas de infanticídio e abandono. Um exemplo refere-se à lei das XII Tábuas (450 AC), considerada a fonte do direito romano, defendia para o pai um poder sem limites (pater familias), nomeadamente o direito de decidir a vida ou a morte dos filhos recém-nascidos.
Foi um longo período, até por volta do século XIV, de indiferença indiscriminada, de identificação da criança como homúnculo. Como podemos observar pela afirmação de Aristóteles, que defendia no seu livro Políticas que “no que diz respeito aos recém-nascidos que é preciso expor e aqueles que se deve alimentar, deve haver uma lei que interdite a alimentação de uma criança disforme” (Livro VII, Capítulo16.15, cit in Monteiro, 2002: 29).

domingo, 19 de agosto de 2007

Investigação com crianças

Assistimos no final do século XX e princípios do século XXI a uma crise mundial e à emergência e desenvolvimento de apelos simbólicos a favor de populações excluídas, como é o caso das crianças e dos seus direitos. Este apelo acabou por se institucionalizar através de práticas globais. A ideia de direitos das crianças, tal como a de direitos das mulheres, ou direitos das vítimas e direitos humanos em geral, tem sido tipicamente associada a políticas progressistas preocupadas com a luta contra a opressão e a desigualdade e à ideia de esperança, no sentido em que Bloch (1995) defendia a utopia como a próxima realidade, ou seja, a necessária e contínua prospecção de esperança no sentido de garantir e promover os direitos das crianças. Agora mais que nunca não se trata apenas do direito mas o dever de construir e realizar a utopia, mesmo que essa seja a única coisa que nos resta fazer.
Não há um caminho único no trabalho de investigação com crianças. É necessário superar essa concepção, apresentando uma interpretação e significados contextualizados e com carácter provisório, a partir do trabalho em parceria com as crianças e do pressuposto da inter e intra disciplinaridade e da conjugação dos esforços e das experiências, que já estão a acontecer em diversas paragens, no sentido de contribuir para uma compreensão das crianças e da infância.
Neste sentido é necessário começar por identificar as imagens e concepções de infância que constituem um obstáculo à participação das crianças e indagar formas de superar esses mesmos obstáculos, já que esse processo não poderá ser feito sem a participação das mesmas.

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Cosmopolitismo Infantil

Neste século XXI, alguns dos objectivos e promessas da modernidade continuam por atingir e cumprir, e outros reptos se adivinham, para os quais as soluções actualmente apresentadas e adoptadas, não o satisfazem nem cumprem. No entanto, face a um cenário complexo sobre a situação mundial da infância e as dificuldades que se apresentam aos diversos Estados na promoção e garantia dos direitos da criança, desenvolve-se no espaço-tempo mundial uma cultura de resistência. Há princípios alternativos face às estruturas e às práticas político-jurídicas hegemónicas, o que Boaventura de Sousa Santos denomina política e legalidade cosmopolita subalterna, que se caracterizam por dois processos fundamentais: a globalização contra-hegemónica, que é a acção colectiva “que opera através de redes transnacionais de ligações locais/nacionais/globais” e as lutas locais ou nacionais (2005, p.8).
O autor defende o cosmopolitismo, um dos processos de globalização contra-hegemónicos, como a “organização transnacional de resistência de Estados-Nação, regiões, classes ou grupo sociais vitimizados pelas trocas desiguais” (2002, p. 71-75), ou seja, são todas as formas de intensificação das acções (solidariedade global), contra a opressão, exploração, contra situações de poder desigual, de inclusão subalterna, a despromoção, onde os que não têm poder se organizam, como, por exemplo, as organizações transnacionais de direitos humanos, os movimentos e associações de defesa dos direitos das crianças, entre outros. É uma globalização contra-hegemónica, por esse motivo apresenta-se-lhe muita resistência, que inclui “vítimas, por exemplo, de discriminação sexual, étnica, rácica, religiosa, etária, etc.
No que diz respeito à infância e às crianças, podemos afirmar que existe, ainda que incipientemente, um espaço de luta pelos direitos da criança: o cosmopolitismo infantil. Podemos considerar que já existe um movimento de luta pelos direitos da criança que se revê, por um lado, no papel e em diferentes repertórios de acção desempenhados por diversas organizações, grupos religiosos, programas governamentais, programas privados, áreas científicas, entre outras. Por outro lado, revê-se na acção de actores sociais de mudança, como o Fórum Social Mundial e os movimentos sociais, e em iniciativas como a Marcha Global.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Sociologia da Infância

A Sociologia da Infância estuda as crianças na perspectiva da sua inserção social, combinando a análise da infância como construção histórica e social com a interpretação da acção social conduzida pelas crianças, nas suas interacções com os pares e com os adultos.
A Sociologia da Infância considera a infância como objecto sociológico e as crianças como objecto de investigação sociológica por direito próprio.
Surge da convergência de uma multiplicidade de correntes que pretendem olhar a infância de uma forma que vá além das perspectivas biologistas e psicologizantes. A consideração da infância como estrutura social em si mesma mas não isolada do todo social. Trata-se, no fundo, de considerar a infância como um actor social.
É sobretudo a partir dos anos 80 do século XX que se reproduzem os grupos de investigação e as redes de investigadores na área: 1984, Associação Nórdica de Sociologia; 1990, Associação Americana de Sociologia e ISA; 1995, Associação Alemã de Sociologia; 2001, Grupo de Estudos da Infância (Madrid) e, em Portugal o campo começou a constituir-se.